Com dados, números e relatórios na ponta da língua, a deputada federal Manuela D’Ávila, diz que se prepara há 4 anos para se tornar prefeita de Porto Alegre. E para isso, a candidata do PCdoB não mede esforços e nem recusa apoios.
Além da agenda apertada, que a força comer “marmitas” no carro enquanto enfrenta o trânsito da capital gaúcha, ela construiu alianças nada ortodoxas para os padrões do seu partido, sustentando o apoio, por exemplo, da senadora progressista Ana Amélia Lemos. “Acho incomparável o PP da senadora Ana Amélia com o PP do Paulo Maluf”, disse ao criticar a aliança do petista Fernando Haddad com o polêmico ex-prefeito em São Paulo.
Aos 30 anos, a deputada tenta afastar a sombra da “inexperiência”, talvez seu maior obstáculo para conquistar o eleitorado porto-alegrense. Para superar esse desafio, estuda cada detalhe da situação da cidade e usa a arma de criticar o principal adversário, o prefeito José Fortunati (PDT), sempre que tem oportunidade.
Caso seja eleita, Manuela pretende colocar técnicos para gerir os órgãos mais importantes, sem fazer loteamento de cargos. Também disse querer criar subprefeituras para controlar a eficiência dos serviços públicos nos bairros. “É uma ideia criativa para fazer com que a participação popular seja absorvida pela gestão e que os serviços sejam descentralizados”, afirmou.
O Terra iniciou nesta segunda-feira (6) a série de entrevistas com os candidatos a prefeito em Porto Alegre. Foram convidados os pretendentes ao cargo que obtiveram pelo menos 1% na pesquisa Datafolha, divulgada no dia 21 de julho. Confira os principais trechos da primeira entrevista:
Terra – A falta de experiência é a principal barreira na sua campanha?
Manuela D’Ávila – Eu acredito que nós já superamos majoritariamente isso, e as pesquisas indicam isso também. As pessoas vinculam a inexperiência a minha pouca idade, mas não posso pagar o preço por ter dedicado a minha juventude a fazer política. Enquanto meus colegas estavam na noite, estavam se qualificando profissionalmente, fazendo seu mestrado, seu doutorado, eu fiz a opção pela vida pública. Estou no meu terceiro mandato e veja só, ninguém questiona os outros candidatos sobre a experiência deles. Dentre nós, a única com dois mandatos federais sou eu. Então eu já adquiri experiência nos mandatos que tive, nos espaços que ocupei com esses mandatos, convivi com muitas pessoas que me ajudaram, adquiri experiência ouvindo pessoas que sabem mais que eu. Todos nós somos políticos e talvez eu seja a que mais amparada esteja na minha volta. A experiência que eu tenho e de ter construído a minha vida pública junto aos porto-alegrenses.
Terra – É possível passar essa experiência para o eleitor?
Manuela – Acho que é possível sim. E tem outras experiências que eu não tenho e não quero ter. Não tenho experiência da política tradicional e não quero ter, da compra de apoios com cargos públicos, a experiência da má política. Eu tenho experiência de ter convicções e trabalhar por elas. Não tenho experiência das máquinas eleitorais, dos padrinhos políticos. Tenho orgulho de ter construído a minha trajetória com as minhas pernas e com o apoio da população de Porto Alegre. Foi essa pessoa que a população de Porto Alegre elegeu deputada federal duas vezes e vereadora. Não tenho vergonha disso e repito: não acho justo que o preço que eu pague por ter dedicado dos meus 15 aos meus 31 anos a fazer política seja ser atacada de inexperiente, ou seja, começar cedo vai fazer que isso seja ponto fraco. Não é.
Terra – Qual a diferença entre a Manuela que concorreu à prefeitura nas eleições de 2010 para a Manuela de agora. E que erros a senhora cometeu que não podem ser repetidos?
Manuela – Tem muitas diferenças. Acho que todos nós mudamos sempre. Eu tive uma trajetória recheada de muitas vitórias, fui eleita a mais jovem (vereadora) em 2004, mais votada (deputada federal) em 2006, bati o meu próprio recorde em 2010, e 2008 foi um ano simbólico porque eu fui derrotada. Eu não sou daquela turma que acha que o povo acerta quando vota em mim. Aquele foi um ano de reflexão, de parar para pensar quais as lições que essa população que me deu tantas alegrias quis me dar com a derrota. Eu saí dali primeiro muito feliz porque foi uma campanha muito bonita. Eu não julgo que eu tinha erros, a política não é só erros e acertos. A população não disse que desgostava de mim ao não ter votado. Acho que ela me deu um sinal amarelo: não é a tua hora. Por isso que a gente brinca que agora chegou a hora porque eu dediquei esses quatro anos a estudar muito. O meu mandato foi de muita responsabilidade, eu voltei para Brasília muito compenetrada no meu trabalho, dar a volta por cima, me dedicar. Ainda bem que eu não tenho como me comparar. O tempo vai passando e nos deixando marcas, eu sempre tento transformar as cicatrizes em coisas boas. Perder não é bom para ninguém, mas eu aprendi muito com a derrota.
Terra – Em São Paulo o PCdoB é vice na chapa do petista Fernando Haddad, que conta com o apoio do PP de Paulo Maluf. Em Porto Alegre, a senhora tentou uma aliança com o mesmo PP. Qual a sua avaliação sobre essas alianças?
Manuela – Um tema muito importante a ser respondido é a aliança com o Maluf, que eu julguei errada. E para responder usando do mesmo artifício, a minha aliança em Porto Alegre tem o mesmo PSB da deputada Luiza Erundina, que rejeitou essa aliança. Se tem um, tem outro. Em segundo lugar, acho incomparável o PP da senadora Ana Amélia com o PP do Paulo Maluf. Acho que qualquer pessoa que ver essa entrevista concorda comigo porque as figuras são incomparáveis. Infelizmente a política brasileira é uma política em que as personalidades são muito sólidas. Eu julguei errado o movimento do Maluf, não por se aproximar do PP, porque eu julgo que alianças devem ser feitas em cima de programas para a cidade. Acredito que o Haddad tem um belo programa para São Paulo junto com a Nádia Campeão, como eu e a Ana Amélia, que segue me apoiando, temos um programa para a cidade de Porto Alegre. Eu julgo errado a aliança em São Paulo porque acredito que não seja educativo trabalhar com uma pessoa que é símbolo de corrupção no nosso País. São coisas distintas: uma coisa é uma aliança programática, que eu acho que é o adequado porque existem problemas e nós temos que pactuar o enfrentamento desses problemas. É ideológico o tema da informatização da saúde em Porto Alegre? Não, não é. É ideológico termos o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) inferior à média nacional? Não, não é. Precisamos enfrentar esses problemas, mas aquele gesto individualmente eu julguei errado.
Terra – O apoio da senadora Ana Amélia à sua candidatura tem alguma relação com as eleições ao governo do Estado em 2014?
Manuela – Quando em 2010 nós retiramos a candidatura do deputado Beto Albuquerque (PSB) para apoiar o governador Tarso Genro (PT) no primeiro turno, muitos jornalistas disseram que eu tinha uma conversa secreta com o governador e que ele tinha me prometido o apoio para 2012. Eu disse que não tinha e alguns achavam que isso era jogo de cena meu porque sempre há uma tendência de não se acreditar nos políticos. Falando em futuro é sempre difícil de acreditar, então eu vou te responder com o meu passado: assim como eu não apoiei o Tarso com garantia de apoio em 2012, porque não é do meu feitio apoiar alguém com promessa de apoio, eu também não recebo apoio prometendo apoio. E a Ana Amélia não agiria assim.
Terra – Em que tipo de ideais Ana Amélia e Manuela vão de encontro?
Manuela – Nosso programa para a cidade, por exemplo. Porto Alegre tem uma crise na saúde e eu sou a única candidata que disputou as eleições de 2008. Naquele ano eu debatia os mesmos temas que eu debato agora. Só para ter uma ideia, em quatro anos de administração, as equipes do PSF (Programa Saúde da Família) aumentaram apenas duas, de 93 para 95. Já nos últimos quatro meses foi aumentado de 95 para 124, quer dizer, uma manobra eleitoreira. Destas, 45 não têm sequer médico. Nós temos uma ideia comum de criar 300 equipes para enfrentar o tema da prevenção em saúde. Nós temos como fazer isso porque há previsão no Ministério da Saúde, o teto de Porto Alegre é de acima de 500 equipes. Nós queremos garantir quatro unidades de pronto-atendimento 24 horas, queremos garantir que as quatro existentes tenham esse padrão de pronto-atendimento. (…) Eu e a Ana Amélia concordamos com isso, são ideias para a cidade de uma prefeitura com mais ação, empreendedora, não de um gestor que fica sentado esperando o mundo vir ao seu encontro, mas de um gestor que vai ao encontro do mundo e que busca desbravar oportunidades para a sua cidade.
Terra – A senhora já afirmou que o governador Tarso Genro foi derrotado dentro do PT quando o partido decidiu pela candidatura própria. Espera contar com o apoio dele na campanha, quem sabe em um segundo turno?
Manuela – Eu tenho muito orgulho de ter contado publicamente com o apoio do governador Tarso Genro na construção da minha pré-candidatura. Essa era a vontade dele, foi ele que declarou que foi derrotado num processo interno do seu partido. Agora não vou debater segundo turno. O PT tem uma candidatura própria, que é legítima e representa tudo o que o PT construiu. O Villaverde é deputado, é meu companheiro, eu respeito. Tenho convicção de que nós estaremos juntos no futuro, seja no segundo turno, seja num governo meu porque as nossas diferenças são muito pequenas, pontuais. Acho que o Villa já representa um avanço no PT. Nós estaremos juntos, acho que ninguém tem dúvidas de que eu governarei com o PT quando eu for prefeita de Porto Alegre.
Terra – Saúde é uma prioridade máxima no seu programa de governo?
Manuela – Sim. Eu acho que temos quatro problemas básicos em Porto Alegre, mas as pessoas que têm problemas de falta de atendimento de saúde não têm condições de questionar a segurança. Uma mãe que tem o filho doente não está preocupada com o volume de gente dentro do ônibus. Não é que seja a exclusividade, mas na saúde o tratamento indigno das pessoas é revoltante. Eu vivo em 2012 e tem fila no posto de saúde de madrugada. Ninguém vai me convencer de que isso é necessário, de que é idealismo não ter fila. Poxa, não estou falando de padrão de hospital privado, mas na fila de madrugada em um Estado que faz frio. Essa situação é revoltante, indigna. Em segundo lugar, Porto Alegre tem uma capacidade instalada na área da saúde muito boa. O prefeito gosta de falar que somos a quarta cidade em infraestrutura. Mais uma prova de que o meu discurso é o certo. Como somos a quarta em infraestrutura e a 18ª em saúde da família? Quarta em infraestrutura e 23ª em Papa Nicolau. Quarta em infraestrutura e fecha posto de saúde em dia com temperatura de -2ºC?
Terra – O candidato à reeleição, José Fortunati (PDT), deve vir para a campanha como o prefeito da Copa do Mundo. A Manuela vai entrar em campo nesse sentido também?
Manuela – Eu vou trabalhar para garantir as obras que ele está atrasando. Acho que a pauta da continuidade é uma pauta infantil, eu amo a minha cidade e é evidente que eu vou continuar as obras. Foi se o tempo em que se ganhava eleição dizendo para a população que quando esse ganhar vai parar tudo o que eu estou fazendo. Continuar as obras é o óbvio, eu quero garantir qualidade na educação, acabar com as filas em postos de saúde, porque a Copa passa e os problemas das pessoas não podem mais permanecer. Eu disputei a eleição de 2008 e a pauta é a mesma. A gente vai avançar quando? Vou ser prefeita da Copa e vou garantir que a nossa população tenha um bom cotidiano todos os dias. Ser uma boa sede é ser um bom lugar para as pessoas morarem. A gente viaja o mundo e vê como as pessoas dos lugares vivem. Paris é linda o ano inteiro, Nova York tem metrô o ano inteiro. Para Porto Alegre ser boa na Copa precisa ser boa todos os dias, e esse é o meu objetivo.
Terra – O que falta para a cidade ser boa para a Copa?
Manuela – Falta muita coisa. Hoje o secretário de Gestão é secretário dos Animais e secretário da Copa, como vai haver eficiência? Nós não temos um banco de projetos, não temos planejamento, chega a ser uma piada. Disputamos investimentos com um projeto e quando o recurso vai ser liberado apresentamos outro projeto. Somos a capital com o sinal amarelo piscando, já perdemos a Copa das Confederações e precisamos desses investimentos para resolver o nosso trânsito, por exemplo.
Terra – No seu plano de governo a senhora cita a necessidade de se reduzir os cargos de confiança (CCs) e ampliando o número de técnicos. A senhora pretende fazer concurso público para substituir esses CCs?
Manuela – Isso passa sim pela valorização dos profissionais de carreira e também precisamos que o critério técnico seja preenchido pelos partidos. Eu não faço discurso contra os partidos, acho que tem pessoas muito boas, o problema é que parece que escolhem sempre os ruins. Os partidos têm técnicos, têm médicos, engenheiros, essas pessoas precisam ser aproveitadas. São duas questões: a convicção e que o funcionalismo público deve ser aproveitado, mas também pela indicação técnica nos partidos.
Terra – Mas a senhora vai reduzir o número de CCs?
Manuela – Penso em reduzir em algumas áreas. Porto Alegre não é uma cidade muito transparente, temos o número oficial de 700 CCs, temos empresas como a Carris que podemos reduzir de 53 para 10 porque era o número que tinha anteriormente. Temos empresas como a Procempa em que existem denúncias de beneficiamento múltiplo de familiares em cargos de confiança, que podem ser reduzidos.
Terra – A senhora já tem uma margem desse corte?
Manuela – Não. Nos protocolamos um pedido de informações na prefeitura, depois de quatro tentativas, para saber a distribuição desses CCs. Temos informações sobre a Carris, da Procempa, dos Cars (Centros Administrativos Regionais), que eu pretendo transformar em subprefeituras para garantir que os serviços sejam executados nos bairros. Então em alguns lugares eu tenho a previsão de quantas vagas cortarei, em outros não, porque não tenho detalhamento.
Terra – Quantas subprefeituras a senhora pretende criar?
Manuela – Nós vamos transformar os Centros Administrativos Regionais existentes em sub-prefeituras. Esses Cars acompanham as regiões do Orçamento Participativo (OP).
Terra – Os sub-prefeitos terão cargos de secretários?
Manuela – Eles terão status de secretário nas reuniões de secretariado. Na realidade o que interessa é qual papel que eles vão cumprir. A nossa ideia é construir isso junto com os conselheiros do Orçamento Participativo porque vão elevar a participação popular a outro patamar. Quanto o OP foi criado, ele era dividido em duas partes: os investimentos das plenárias e o fórum de serviços, que acompanhava a qualidade dos serviços da cidade, como ônibus, creche, saúde, buraco na rua, poda de árvores. Esse fórum foi perdendo importância ao longo dos anos e nós prevemos uma estrutura de gestão que passa pelo resgate do fórum de serviços no ambiente administrativo regional. Como conseguimos fazer que a pessoa que está ali se sinta empoderada para fazer isso: sendo um subprefeito. Estamos pactuando que os conselheiros do OP façam uma lista tríplice para indicar o subprefeito. Vai ser indicado pela população e o prefeito escolhe. É uma ideia criativa para fazer com que a participação popular seja absorvida pela gestão e que os serviços sejam descentralizados.
Terra – E se esse sub-prefeito escolhido for da oposição?
Manuela – Por isso que é uma lista tríplice, é uma forma de combinar. Como prefeita, eu vou ser responsável por tudo que acontece em porto alegre. Não vou ser como esse pessoal agora que só é responsável por coisa boa. A lista tríplice é porque acredito na participação popular, vem dos conselheiros do OP, que têm maturidade e certamente não cometerão infantilidades a ponto de indicar alguém da oposição. Eu escolherei porque serei responsável pelo trabalho deles.
Terra – Ser prefeita de Porto Alegre é o auge da sua carreira política?
Manuela – É o meu maior sonho. Eu disputei muitas eleições, sempre entendo o mandato como uma missão. Nunca pensei que eu seria política, minha ida universitária foi feita para ser professora, era o que eu queria ser, professora universitária. Eu fui eleita muito pelas circunstâncias, pela minha militância estudantil, depois pelo mandato de vereadora, então a eleição para a prefeitura para mim é diferente. Depois que eu disputei a eleição e 2008 eu me apaixonei pela ideia de ser prefeita de Porto Alegre. Não sei nada do futuro, talvez seja a última eleição que eu dispute, não me vejo política a vida inteira, não acho que política tenha que ser algo para a vida inteira. Agora ser prefeita é o que eu mais quero ser sim.
Fonte: Terra